15/08/2022
Por Caputo Advogados
No Dia do Advogado, nosso parceiro Caputo Advogados compartilhou este conteúdo com dicas da área para startups.
A constituição de uma empresa, além de consolidar a tomada de relevantes decisões que culminam naquele momento, exige a compreensão sobre os passos necessários para a sua formalização. Juridicamente, só se pode falar no efetivo “nascimento” de uma sociedade empresária quando o seu contrato social é registrado perante a Junta Comercial do Estado da sede da empresa.
Assim, no caso das sociedades, por serem, juridicamente, apenas ideias até o momento do seu registro na Junta Comercial, haverá somente a reunião de esforços de todos os fundadores em uma sociedade em comum, figura intermediária cujo principal risco é a responsabilidade solidária dos sócios (art. 990 do Código Civil[1]). Será apenas com o registro que passa a ser possível falar em limitação de responsabilidade dos sócios[2].
Nessa fase pré-constituição, como forma de validar a ideia que uniu os empreendedores sem que se recorra à formalização ainda numa etapa muito embrionária, é perfeitamente possível – e recomendável – que os futuros sócios reduzam a termo as diretrizes gerais sobre como pretendem se unir futuramente numa sociedade, estabelecendo, desde já, as regras do jogo.
É nesse momento que surge a figura do Memorando de Entendimentos (MoU – Memorandum of Understanding), que exerce a função de “pré-contrato social”, delimitando funções de cada sócio, suas previsões de participações societárias, modelo a ser validado e, especialmente, o que eles entendem como o evento futuro que justificará a formalização. Isto é, esse documento pode, e deve, prever todos esses pontos, permitindo que os futuros sócios consigam vislumbrar os próximos passos e saberem para onde estão andando e o que fará com que a relação se concretize numa empresa efetivamente.
Se a ideia for suficientemente validada – nos termos acordados no MoU -, os atos constitutivos da empresa (estatuto social ou contrato social) devem ser redigidos e levados a registro na Junta Comercial. Considerando a sua maior simplicidade e menor custo operacional, a imensa maioria das empresas constituídas no Brasil o são na forma de sociedades limitadas, de modo que o seu documento de constituição será o Contrato Social. Na sociedade limitada, com contrato social registrado na Junta Comercial da sua sede, terão os sócios a segurança da segregação patrimonial e o fato de que, salvo determinações de desconsideração da personalidade jurídica, não terão seus patrimônios particulares atingidos por eventuais débitos da empresa.
Entretanto, é fundamental ter clareza sobre os riscos da utilização do modelo padronizado pelo DREI[3], visto que deixará de regular diversos temas importantes sobre relacionamentos da sociedade, entre sócios e perante terceiros.
Dentro do rol legal de cláusulas obrigatórias do contrato social, temos as seguintes: a) nome e qualificação completa do sócio (pessoa natural ou pessoa jurídica); b) firma ou denominação social, bem como o objeto social, endereço da sede e o prazo (determinado ou indeterminado) da sociedade; c) capital social, passível de integralização em bens e direitos de qualquer sorte, desde que admitam avaliação pecuniária; d) as quotas que serão atribuídas a cada sócio e como cada um irá integralizar sua participação; e) definição de quem serão os administradores pessoas naturais, bem como seus poderes e atribuições; e f) a definição da participação de cada sócio nos resultados.
Quanto à nomenclatura da sociedade (firma ou denominação), é preciso atentar para a realização de uma pesquisa prévia com vistas a evitar nomes já registrados. Todo o desenvolvimento da marca e da reputação da sociedade deve ser antecedido de pesquisas no INPI e na Junta Comercial do Estado, para o fim de evitar conflitos de nomes e marcas, assegurando-se que a sociedade será criada já com o caráter distintivo de ser inédita, assegurando diferencial de inovação.
Além disso, deve o contrato indicar o capital social da startup, sua forma de integralização e quanto cada sócio terá de participação. A definição do capital social dependerá das atividades econômicas a serem desenvolvidas, pois este valor inicial corresponde ao mínimo de recursos aportados à sociedade para viabilizar o início de suas atividades.
Destaca-se que o capital social precisa ser definido de modo viável à integralização dos sócios, visto que o capital apenas subscrito, mas não integralizado dentro do prazo, poderá sujeitar os demais sócios a responderem solidariamente pelo capital não integralizado, bem como fará com que o sócio que não tenha integralizado suas quotas seja considerado remisso, permitindo-se sua exclusão por justa causa.
Delimitado o capital social, será necessário definir quanto cada sócio terá de participação no capital, estrutura que produzirá reflexos tanto na distribuição dos resultados, quanto na capacidade decisória de cada sócio na condução da sociedade. Vale ressaltar que os sócios podem pactuar, inclusive, a distribuição desproporcional dos resultados, permitindo que um sócio minoritário receba a maior parte dos lucros.
Em relação ao objeto social, a escolha também precisa ser muito bem pensada, pelos empreendedores em conjunto com os suportes contábil e jurídico. Essa escolha produzirá reflexos diretos no planejamento tributário e na definição de quais atividades econômicas que a empresa poderá exercer (o exercício de atividade fora do seu objeto social – desvio de finalidade – suscita o risco de desconsideração da personalidade jurídica). Quanto à tributação, certas atividades não permitem que a startup adira ao Simples Nacional, o que poderá prejudicar significativamente a viabilidade econômica da operação.
O tema da administração da sociedade é um dos tópicos mais sensíveis do contrato social. Eventual redação imprecisa ou insuficiente poderá deixar a sociedade sujeita ao exercício desregrado de poderes pelo(s) administrador(es) nomeado(s), pois a administração poderá ser endereçada a uma pessoa ou a várias, sócias ou não.
Em qualquer dos casos (administração singular ou plural), é indispensável que o contrato social seja claro ao prever seus poderes e atribuições, sob pena de estes serem demasiadamente amplos, viabilizando a prática de atos variados, vinculando a sociedade perante terceiros, mesmo que o ato praticado não corresponda aos melhores interesses da empresa. Como forma de atenuar esse risco, há a alternativa de exigir a assinatura conjunta de um sócio cotista com o administrador (quando houver só um administrador), ou, ainda, demandar que dois ou mais administradores assinem conjuntamente o ato (quando houver administração plural).
Com essas cautelas, expressamente previstas no contrato social, não poderão terceiros exigir que os atos sejam opostos à sociedade se não observadas as formalidades ajustadas, visto que o administrador, sozinho, não tinha poderes para a prática do ato. Asseguram-se, assim, os interesses da sociedade e dos demais sócios em face de eventuais usos irrestritos das prerrogativas de administração.
Considerando que o contrato social é um documento público e que regula apenas questões que sejam de interesse de terceiros, além dele, outro documento muito importante a ser firmado pelos empreendedores é o Acordo de Sócios. Este é considerado um documento privado e, como tal, não há qualquer obrigação a que seja registrado na Junta.
Dessa forma, o Acordo de Sócios é voltado para regular temas de interesse interno e cujo conhecimento por terceiros poderá representar, inclusive, prejuízos reputacionais ou financeiros para a startup. É justamente por isso que este acordo pode ser elaborado tomando como ponto de partida o Memorando de Entendimentos, o qual servirá como o rascunho do acordo.
O Acordo, então, poderá ter os seguintes pontos: a) forma de resolução de conflitos de interesse (extrajudicial ou judicial); b) regras sobre compra e venda de participação; c) direito de preferência no caso de qualquer sócio desejar se desvincular da empresa; d) delimitação de funções de cada sócio; e e) método de avaliação (valuation) no caso de saída de um sócio.
Um ponto fundamental para toda e qualquer startup é a proteção dos seus ativos imateriais, compondo a sua Propriedade Intelectual, a qual abrange marca, software, patentes, desenhos industriais, entre outros.
Considerando que todos estão se comprometendo a dedicar tempo, esforço e dinheiro para o desenvolvimento de resultados comuns, é necessário que os documentos deixem claro a quem pertence a propriedade intelectual desenvolvida pelos sócios da empresa enquanto estiverem exercendo suas funções.
O silêncio do contrato poderá ensejar conflitos, muitas vezes problemáticos, permitindo, inclusive, que determinado sócio decida se desvincular da sociedade e levar consigo o direito de explorar comercialmente algum ativo imaterial desenvolvido, em tese, para a sociedade. É simples: sempre é preferível não acreditar em “pressuposições” e regras “em tese”. O combinado nunca sai caro.
Em todo e qualquer caso de saída de sócios, duas questões são igualmente relevantes: obrigações de não concorrência e de confidencialidade. Enquanto as atividades estão sendo desenvolvidas pelos sócios, todos têm acesso a informações confidenciais, segredos de negócios e a propriedade intelectual relacionadas ao objeto da startup. Quais são as possibilidades de atividades a serem exercidas pelo sócio após a sua saída? Ele pode atuar no mesmo segmento sem qualquer restrição? Ele pode utilizar-se das informações a que teve acesso enquanto sócio ao ser contratado por outra empresa para criar um novo produto?
Considerando que, a depender da resposta para essas perguntas, a startup pode ter decretada a sua ruína, o acordo de sócios precisará deixar muito claras as regras sobre como será a reinserção do mercado de qualquer dos sócios que sair. Com isso, preserva-se a startup antes de tudo e as regras do jogo ficam estabelecidas antes do nascimento de qualquer conflito; depois que a briga estiver instaurada, encontrar um consenso será virtualmente impossível.
O processo de validação da ideia concebida pelos empreendedores pode ser bastante pesado, demandando quantidade de tempo, esforço e know-how que estes talvez não detenham completamente. Nesse cenário, pode passar a ser necessário contar com uma equipe de apoio, com prestadores de serviços ou colaboradores que complementam essa demanda não atendida pelos empreendedores.
Aqui, a grande cautela reside na forma de contratação desses profissionais. É normal que a forma praticada seja a contratação como prestação de serviços de um MEI[4]. Contudo, essa é uma prática bastante arriscada, uma vez que MEI não é uma pessoa jurídica, e sim uma simples abstração destinada a conferir melhor tratamento tributário a uma pessoa física. Somado a isso, contratar esse profissional, tratando-o como se empregado fosse (satisfazendo os 4 requisitos do vínculo de emprego[5]), terá como consequência a configuração de uma prática contrária ao Direito, abrindo-se ao risco de este profissional buscar perante a Justiça do Trabalho os direitos que não lhe foram espontaneamente estendidos pela startup (gerando condenações ao pagamento de valores não previstos e atingindo a reputação da empresa).
Por isso, é crucial que os empreendedores estejam cercados de bom assessoramento para entender a melhor forma de contratar esses profissionais que irão lhe auxiliar no processo de crescimento e, especialmente, manter relacionamentos que sejam condizentes com a autonomia e liberdade de atuação para que estes possam desenvolver as atividades que lhes forem repassadas.
A forma de contratação com os clientes é outro passo sensível para o processo de modelagem da startup. Isso precisa ser muito bem pensado pelos empreendedores juntamente com o seu suporte jurídico, para que o instrumento adotado seja não apenas o mais seguro para a startup, como também não crie obstáculos desnecessários na captação desses clientes.
É nesse cenário que surge a figura dos Termos e Condições de Uso, especialmente para startups que se utilizem de softwares e apps para utilização de seus clientes. Em tais casos, a utilização desse software/app precisa ser devidamente regulada, tanto em termos da remuneração pelo seu acesso (licenciamento), quanto nas regras de comportamento (a permitir, por exemplo, exclusão por uso indevido). Nesses casos, a contratação é extremamente simples, tudo realizado por meio de um checkbox, declarando a anuência com os termos e condições.
Nada impede, contudo, que se a startup utilizar um modelo B2B[6] para monetizar, firmando poucos contratos com ticket mais alto, referidas contratações poderão ser firmadas em instrumentos individualizados, sem a necessidade de massificação de contratos por meio de seus softwares e apps.
Com a entrada em vigor integral da Lei Geral de Proteção de dados (Lei Federal nº 13.708/18) em agosto de 2021[7], abriu-se a necessidade de adaptação de startups e empresas tradicionais às regras de proteção de dados, esclarecendo que não é algo a se programar para um futuro distante, e sim uma realidade presente. Dessa forma, a estruturação de modelos de negócio precisa ser feita já pensando na proteção de dados pessoais na sua concepção, dando origem ao que se denomina Privacy by Design[8].
Além das anunciadas sanções administrativas (aplicadas pela ANPD[9]), as startups não estão sujeitas apenas às medidas provenientes da autoridade nacional. Os riscos são muito mais significativos e, inclusive, pulverizados, uma vez que todo e qualquer titular de dados poderá, por si próprio, adotar providências judiciais para se ver devidamente reparado pelos danos experimentados em decorrência da violação de seus dados pessoais.
Por mais que haja importante decisão do TJ/SP limitando as hipóteses de danos morais em tais casos[10], nada impede que o entendimento dos demais tribunais passe a ser em sentido diverso (como já ocorreu no TJ/RS), sujeitando as empresas que participarem, direta ou indiretamente, de danos a titulares de dados pessoais, a condenações. Frisando que, para o entendimento da LGPD, temos dois grandes grupos de dados: dados “comuns” e dados sensíveis, sendo estes últimos os que demandam maior cuidado por parte da startups que os detenham estes dados, sendo um exemplo dos dados sensíveis os dados relativos a saúde de uma pessoa.
Todos os fatores destacados na publicação de hoje servem para alertar os empreendedores sobre a importância dos cuidados jurídicos, desde uma etapa pré-formalização a até os passos de efetivo crescimento e maturação da sua startup. Em qualquer das etapas, não se pode conceber um crescimento saudável e seguro sem que diferentes questões sejam devidamente alinhadas entre os sócios, contando com um suporte jurídico especializado e que esteja atento à elaboração de instrumentos customizados para a realidade daquela startup, atendendo a todas as suas particularidades.
[1] Código Civil. Art. 990. Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade.
[2] Código Civil. Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).
[3] Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração.
[4] Microeempreendedor Individual.
[5] a) Habitualidade; b) Onerosidade; c) Pessoalidade; e d) Não-eventualidade.
[6] “B2B é um modelo de negócio em que o cliente final é uma outra empresa e não uma pessoa física (B2C). O modelo também é conhecido como “Business to business” ou “Empresa para empresa”. Acesso em: https://rockcontent.com/br/blog/b2b/.
[7] Acesso em: https://legislacaoemercados.capitalaberto.com.br/lgpd-finalmente-entra-em-vigor/.
[8] “Basicamente, o Privacy by Design é um framework que tem como proposta central incorporar a privacidade e a proteção de dados pessoais em todos os projetos desenvolvidos por uma organização, desde a sua concepção.” Acesso em: https://getprivacy.com.br/privacy-by-design-lgpd/.
[9] Podendo atingir a bagatela de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), com base no art. 52, inciso II, da LGPD.
[10] “Extrai-se da fundamentação do voto da relatora, desembargadora Ana de Lourdes Coutinho Silva da Fonseca, o entendimento de que “a mera constatação de que dados pessoais básicos tenham sido objeto de ilegal vazamento não configura, automaticamente, dano moral; sendo certo que não há nos autos prova de outras reverberações do referido compartilhamento irregular”. Acesso em: https://www.migalhas.com.br/coluna/impressoes-digitais/361788/tj-sp-limita-indenizacao-por-dano-moral-no-vazamento-de-dados-pessoais.
Escrito por Caputo Advogados
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